
LIVRO DA LITERATURA DE CORDEL DO CAPIXABA, CLÉRIO JOSÉ BORGES, LANÇADO EM 1983, EM JULHO NO TERCEIRO SEMINÁRIO NACIONAL DA TROVA REALIZADO EM VILA VELHA E RELANÇADO EM 2005, NAS COMEMORAÇÕES DOS 25 ANOS DO CLUBE DOS TROVADORES CAPIXABAS, CTC.
O Vampiro Lobisomem de Jacaraípe
Autor: Clério José Borges
Vou narrar para vocês
A história verdadeira
Que não é de Português
Nem tão pouco brincadeira.
A história do Vampiro
O Lobisomem Vieira.
Em mil novecentos e quinze
Esse caso se passou,
Testemunhou a minha mãe
Que o lobisomem cantou,
Mais parecendo gemidos
Que a alma dela gelou.
O lugar Jacaraípe
No litoral Capixaba
Terra do desbravador
Pioneiro Abido Saadi
Muitos homens de valor
Esta conversa não acaba.
Jacaraípe de ontem
Não tinha a mesma beleza
Como vê-se, atualmente,
Por toda a sua riqueza,
De garotas, sol e mar,
Que nos dá a natureza.
Na época do Lobisomem
Tudo ia de marcha ré,
Vivia-se entre os matos
E o povo só andava a pé,
Pulava-se como os gatos
Entre cobra e jacaré.
Como poeta do povo
Vou narrar todo mistério
Do tal Vampiro encantado
Que se tornou caso sério,
Que assustava muita gente
Por detrás do cemitério.
Diziam que o tal Vampiro
Ao fazer o seu pernoite
Igual uma alma penada
Desde o começo da noite
Até alta madrugada
Como vento dando açoite.
Todo mundo comentava
Tudo que o monstro fazia,
Uivava igualmente a lobo
Com a sua estrepolia,
E até sangue de gente
O Lobisomem bebia.
A história se espalhava
Por toda a Grande Vitória,
A lenda disseminava
Seguindo uma trajetória:
Quem matasse o Lobisomem
Teria o louro da glória.
Minha mãe me contou tudo
Como o caso foi passado
Porque muitas peripécias
Do Lobisomem malvado
Ela bem testemunhou
Para o caso ser narrado.
O monstro desesperado
Fazia muita coisa feia,
Em novecentos e quinze
Numa noite de lua cheia
Ninguém dizia nem “oi”
Gelando o sangue na veia.
Assim o tal Lobisomem
Andava pela esplanada,
Bem perto de Nova Almeida
Assombrando na estrada
Não se via nem um boi
Sem ser o bicho, mais nada.
Lobisomem assustou
Muita gente, sim senhor.
Cabra levava carreira
Todo cheio de pavor,
Que a cara do disgramado
Mudava toda de cor.
O Vampiro possuía
Uns três metros de altura,
Pisava igualmente um gato
Macio na noite escura.
E semelhante ao diabo
Na sua triste figura.
O seu Zé da Plantação
Que dizia ter coragem
Chamou cachorro “meu tio”
Quando avistou a visagem,
E com vergonha mudou-se
Foi morar noutra paragem.
Com o seu rabão comprido
O endemoniado era
O retrato de Satã
Com jeito de Besta-Fera,
Onde o bicho aparecia
Transformava a atmosfera.
João Pitomba, certo dia,
Esse tal Vampiro vendo
Deu um tiro de espingarda
No vulto, mesmo correndo,
Que de medo se esqueceu
Da arma, todo tremendo.
Jacaraípe sofreu
Muitos anos nesta lida,
Suas matas se assombraram,
Sua gente tão sofrida
Dormia pelas malocas
Com a alma constrangida.
Dona Chiquinha, do Brejo
Deixou a “Tábua Lascada”
Para conhecer o bicho.
Ia toda preparada
Com o clavinote do velho
Que usava na caçada.
Dizia ela que tinha
O poder da oração
Do Senhor São Cipriano
Aquém tinha devoção,
Que o rabo do Vampiro
Ela traria na sua mão.
Chegando em Jacaraípe
A um moço perguntou
Onde ficava a Caverna
Do Vampiro, ele informou…
Na casa de um negro velho
Foi onde ela se hospedou.
Dois metros de fumo grosso
Ela depressa comprou
Na venda do “Zé do Brega”
Mas que depressa torrou,
Fez um torrado gostoso,
Que todo mundo espirrou.
Depois do fumo torrado
Fez ela seu bom rapé.
No outro dia seguinte
Chiquinha saiu a pé,
Seguindo atrás do Vampiro
Com toda a coragem e fé.
Na hora da Ave Maria
Ela ouviu um fraseado
De uma voz cavernosa
Que disse: “Quero torrado
Para acabar essa gripe
Que estou quase acabado”.
“Quero torrado!” outra vez
O Monstro triste gritou.
A velha disse: – Já levo,
Me espere que já vou…
Chegando dentro da furna
O Vampiro ela encontrou.
Quando ela viu o tal monstro
Naquele triste degredo
Foi falar, perdeu a fala,
Toda assombrada de medo,
Mas disse: – Vou descobrir
A tampa desse segredo.
Cada venta do Vampiro
Mais parecia um tonel,
Cada buraco de um metro
De maneira mais cruel,
Não pensem que é mentira
Essa história de Cordel.
A velha com sua coragem
O torrado despejou
Nos dois buracos da venta
Que o bicho se assustou,
Deu um espirro tão danado
Que todo povo escutou.
E depois do tal espirro
O bicho se escafedeu…
E um caixão todo de ouro
No local apareceu,
A velha levou o ouro
Dali desapareceu.
Dizem que essa tal “Chiquinha
Do brejo”, ninguém a viu
Mais passar no Povoado…
Com o ouro ela sumiu…
Ainda hoje se fala
Mas ninguém a descobriu.
O certo que na tal furna
Logo ali apareceu,
Uma catinga de enxofre
De alcatrão e de breu…
Se essa história é mentira
Não culpe minha mãe, nem eu.
Muitas lendas, poderia
Descrever para os Senhores
De casos de assombrações
Que deram nos arredores
De nossa Grande Vitória
Porém, fico, aqui, leitores.
FIM
LITERATURA DE CORDEL também conhecida no Brasil como folheto, literatura popular em verso, ou simplesmente cordel, é um gênero literário popular escrito frequentemente na forma rimada, originado em relatos orais e depois impresso em folhetos. Remonta ao século XVI, quando o Renascimento popularizou a impressão de relatos orais, e mantém-se uma forma literária popular no Brasil. Aqui no Brasil, a literatura de cordel popularizou-se por meio dos repentistas (ou violeiros), que se assemelham muito aos trovadores medievais por contarem uma história musicada e rimada nas ruas das cidades, popularizando os poemas que depois viriam a ser os cordéis.
O nome tem origem na forma como tradicionalmente os folhetos eram expostos para venda, pendurados em cordas, cordéis ou barbantes em Portugal. No Nordeste do Brasil o nome foi herdado, mas a tradição do barbante não se perpetuou: o folheto brasileiro pode ou não estar exposto em barbantes. Alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, também usadas nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola, como também fazem leituras ou declamações muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradores. Em setembro de 2018, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional reconheceu a literatura de cordel como patrimônio cultural imaterial do Brasil.
JACARAÍPE – Para colonizar a imensa faixa de Terra do Brasil, o Rei de Portugal, Dom João III instituiu em 1534 o sistema de Capitanias, em que administrativa a américa portuguesa era dividida em lotes entregues a Donatários. Em 23 de maio de 1535, Vasco Fernandes Coutinho chegou com sua Nau Glória para tomar posse de sua extensão de terras que deu o nome de Espírito Santo, por ter chegado no dia em que a Igreja Católica comemorava a Festa do Espírito Santo, cujo nome litúrgico é “Festa de Pentecostes”. Para colonizar a terra, Vasco Coutinho dividiu a capitania em Sesmarias – terras a serem cultivadas. Esses “lotes” foram distribuídos entre os 60 colonizadores que vieram com ele. Assim no dia 18 de setembro de 1565, o Donatário Vasco Coutinho cedeu uma Sesmaria, então denominada Caraípe, para um Português de nome João Luiz, que deu início a colonização local, “mil braças de terras aquém do Rio Carahype partindo com Gaspar Fernandes para cá”. Jacaraípe, portanto nasceu com o nome de Caraípe, através de uma sesmaria doada a um português que ali cultivou a terra. Com o passar do tempo surge, então, um povoado composto de pescadores e pequenos agricultores.
Segundo o escritor Saint-Hilaire, botânico, naturalista e viajante francês em 1818, visitou a região da Serra, a etimologia Caraípe seria uma corruptela de Caraíba – homem branco e pe – caminho ou região e escreve: “é uma aldeia que se compõe de algumas casas muito distantes umas das outras e que deve seu nome à pequena ribeira perto da qual a aldeia foi construída.” O nome original é Carahype e se refere ao caminho dos Jesuítas pela praia com destino a Igreja dos Reis Magos de Nova Almeida. Antigamente usava-se muito uma publicação chamada Catálogo Telefônico. Um dos Catálogos de 1975, denomina a região de JACAREÍPE, com alusão a Jacarés que haviam no rio. Em São Paulo tem uma cidade com o nome de Jacareí, que é rio do jacaré. Com o tempo Carahype ou Jacareípe passou a se chamar de Jacaraípe.
CLÉRIO JOSÉ BORGES – Historiador, Trovador, Escritor, Poeta e Comendador. Essas e outras inúmeras qualidades podem ser atribuídas ao Acadêmico Clério José Borges. Atuando na área da segurança pública estadual, teve uma carreira de Sucesso. Exerceu o cargo de Escrivão de Polícia Civil durante 35 anos, onde foi premiado com Elogios e Medalhas devido à excelência nos serviços prestados em prol da sociedade capixaba. Durante sua vitoriosa carreira policial, Clério José Borges trabalhou em várias Delegacias e exerceu vários cargos de chefia, de modo especial como chefe de Apoio Administrativo do Departamento de Polícia Judiciária da Serra e, durante nove anos trabalhou na Delegacia de Polícia de Jacaraípe. Clério José Borges aposentou-se como Escrivão de Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, pela Portaria N.º 081, de 18 de janeiro de 2011, publicada na página 05 do Diário Oficial do Estado do Espírito Santo do dia 20 de janeiro de 2011, onde consta, “aposentadoria por tempo de contribuição, a partir de 17 de setembro de 2010, (…), computados 37 anos, 02 meses e 19 dias de Tempo de contribuição. (…) Processo 01901621”. O sucesso em sua carreira se estende à literatura. Fundador e primeiro Presidente da Academia de Letras e Artes da Serra, ALEAS e, fundador e primeiro Presidente da Academia Capixaba de Letras e Artes de Poetas Trovadores, ACLAPTCTC, antigo Clube dos Trovadores Capixabas, CTC. É associado do Instituto Geográfico e Histórico do Espírito Santo e pertence a inúmeras Academias, Clubes Literários e Associações Culturais. Possui ainda em seu currículo a produção de inúmeras obras, com vários livros publicados.
Tel.: 27 – 99257 82 53
Rua dos Pombos, 2 – Eurico Salles, Carapina, Serra, ES, 29160 – 280



